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A GRANDE VIAGEM PELO UNIVERSO

Foto do escritor: Salvador AraújoSalvador Araújo

Já vai longe o tempo em que se confundia legalidade com justiça. Na maior parte dos casos, o homem moderno não mais se engana com esses conceitos. Comum, hoje, é entender que nem tudo que é legal é justo e que nem tudo que é justo está dentro da lei. Entretanto, depois de superado o dilema semântico, parece restar uma questão intrigante: ainda que não sejam expressões sinônimas, uma coisa não deveria estar sempre imbricada à outra?


É claro que não há como ser justo para com todos os indivíduos envolvidos em uma mesma questão legal. E é evidente também que o mandamento da lei tem mesmo de ser mitigado em detrimento das especificidades de determinados sujeitos, ou de determinadas situações. O que não pode é um diploma jurídico valer-se de sua natureza imperativa para atingir um fim que não é justo a ninguém. Da mesma forma, as condutas humanas, no afã de fazer justiça, não podem se antagonizar radicalmente com o espírito da lei. Esse é o pensamento dominante no seio das sociedades escolarizadas.


Porém o problema não é tão fácil de entender na seara política. Não se sabe até quando candidatos e eleitores, governantes e governados se perderão na ineficácia dos termos. De um lado, o que é legal protege algumas atuações de tantos políticos injustos; de outro — por conivência, conveniência, ou em atendimento ao interesse público —, o que é justo precisa primeiramente ser legal. Vê-se, então, que a ideia do que é legal e do que é justo muda de acordo com os interesses. Assim, para quem tem a obrigação de garantir um direito pode não ser justo aquilo que não é legal; mas, para os destinatários do direito, não precisaria o ato ser legal, se já é justo. E toda a evolução de que se tratou acima volta aos tempos das cavernas.


O evento mais convincente em sede do tema são as eleições para a escolha de chefes políticos. Poder-se-ia questionar, por exemplo, a legalidade da vitória de tantos candidatos eleitos nas últimas eleições municipais em todo o território brasileiro. Forçoso é também considerar as consequências injustas que tais vitórias trarão. Um pleito deveria primar-se somente pela legalidade? Apenas pela justiça? Ou deveria amparar-se nos dois conceitos? Qualquer argumento responsável defenderá um ponto de vista favorável a ambos os significados. Ou seja, além de legal, uma eleição teria de ser justa.


Não se quer, aqui, depreciar a forma como o Brasil faz política; o fim precípuo da presente análise é investigar o que se dispôs em sua epígrafe. Mas quem percorre este imenso país ouve histórias das mais incognoscíveis, quando a tarefa é definir o que é legal e o que é justo em termos políticos. Essas histórias estão, na maioria das vezes, muito longe de ser legais e, mesmo quando legais, nem sempre são justas. É urgente que a Justiça Eleitoral e a sociedade brasileira se ocupem desses enredos, porque toda a valorização de um povo está diretamente relacionada à legalidade e à justiça de suas posturas políticas. Mas, como já foi dito, a crítica para por aqui.


Como se pode ver, o “ser legal” e o “ser justo” são conceitos relativos. Se o universo é político então, não há por que ficar tentando encontrar explicações e justificativas para os sintagmas. Os dois termos não têm consonância, por exemplo, em muitos casos do Serviço Público. Talvez a quizília se deva ao fato de o sujeito principal dessa atuação política ser uma coletividade. Com esse diapasão, fica fácil entender por que muitos atos administrativos não conseguem ser igualmente legais e justos para todos os componentes do grupo atingido. É exatamente para essas situações que surge a “magia” do Efeito Modulador: quando o que, não sendo legal, torna-se justo; e o injusto, não obstante à propensão ao dano, faz-se legal.


Enfim, “legalidade” e “justiça” não são termos tão claros nas condutas humanas, pois quase tudo que envolve essas palavras tem um viés político. É até necessário repensar convicções em torno desses conceitos, para que um novo paradigma seja encontrado. Todavia, o novo pensamento não pode tornar legais atitudes injustas, ou justas, ações ilegais. Porque um ato só pode ser legal ou justo quando é, acima de tudo, honesto.

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