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CADERNETA VERMELHA

Foto do escritor: Salvador AraújoSalvador Araújo

Amou ao filho muito mais que a ninguém mais

Trabalhou duro só para vê-lo formado

Contava histórias, todas bonitas demais

Passou-lhe tudo que a vida tinha lhe dado

Porém quem ama nunca se torna senhor

Pois, sendo amado, sempre se quer mais amor...


Perdeu até sua própria identidade

Perdeu também o domínio da razão

Amando ao filho caiu na escravidão

Só o menino lhe dava felicidade

Porém aquele que a vida não faz sofrer

Nem sempre sabe o que é agradecer...


Por alguns anos, foi o homem mais feliz

Lá da cidade onde ele residia

Não se encontrava em todo aquele país

Um outro homem com tão grande alegria

Mas esta história parece ser conhecida

Em toda a Terra desde os primórdios da vida...


E nessa luta por ver o filho contente

Aquele homem não viu o tempo passar

O seu menino até para estudar

Já exigia que lhe desse um presente

Mas o instinto que domina a criação

É mais perverso que a força da razão...


Nunca se deve cultivar a esperança

De que exista a verdadeira amizade

Só ao amigo se dedica confiança

E é só dele que nos vem a falsidade

Pois se o homem faz dos outros seu abrigo

Nunca prevê quem será o falso amigo...


Aquele filho desde sua juventude

Tornou-se dono de um mundo grande demais

E, tantas vezes, discutia com seus pais

Desafiando os princípios da virtude

Porém se o homem não aprende pelo amor

Terá, um dia, que aprender pela dor...


Muito contente, vivia o pai a dizer

Que conseguiu formar seu filho amado

Mais pela força do que pelo seu querer

Ele estudou se tornando advogado

Mas a quem nunca aprendeu o que é amar

Não adianta instruir ou educar...


Um dia o moço resolveu deixar os seus

Desafiando a existência da sorte

E até zombava de quem foi o seu suporte

Nem confiava que houvesse mesmo um Deus

Mas quem, no mundo, não conseguiu aprender

Nunca está pronto para lutar e vencer...


Pois foi assim que o tempo se passou

E aquele moço construiu uma família

Ganhou dinheiro e se estabilizou

Tinha esposa, dois filhos e uma filha

Porém a vida só o tempo é que nos dá

Só não se sabe quanto ele vai cobrar...


O pai chorava por aquele filho ingrato

Olhava a estrada mesmo sem mais esperança

Só para tê-lo tão vivo em sua lembrança

Todas as noites beijava o seu retrato

Mas até mesmo quem só pratica a bondade

Não está livre do desprezo e da maldade...


Desiludido, muito doente e cansado

Aquele pai que tanto amou seu menino

Como quem volta a um lugar do passado

Fechou os olhos e seguiu o seu destino

Mas neste mundo o que tem de ser será

Dessa verdade ninguém consegue escapar...


Provavelmente aquele bom coração

Achou na morte a mais sensata saída

Levou consigo o que construiu em vida

Com seu amor alcançou a salvação

Porque aos bons, que viveram na verdade

O paraíso existe na eternidade...


Por telefone a mãe ao filho avisou

E ele disse que não ia aparecer

A pobrezinha, chorando, tanto implorou

Que ao rapaz acabou por convencer

Mas quem, em vida, não consegue amar alguém

Leva seus atos ao Juízo do além...


Na cerimônia ficou sempre distraído

Porque o moço só pensava em retornar

E, ali, ninguém o viu sorrir ou chorar

Nem ficou claro se olhou o falecido

Porém se o homem não conhece a piedade

Também jamais será feliz de verdade...





E, quando o filho do lugar se despedia

Tão amorosa, a mãe lhe deu um presente

A caderneta em que o velho escrevia

Ele aceitou só para vê-la contente

Porém aquele que finge fazer o bem

Nunca percebe que engana a si também...


Para não ver a mãe mais triste na hora

Pôs o caderno no bolso do paletó

Com o pensamento de quando estivesse só

Longe dali pudesse jogá-lo fora

Mas como diz um ditado conhecido

Com ferro feres, com ferro serás ferido...


No mesmo dia, enquanto ele almoçava

Aconteceu-lhe um fato interessante

A caderneta saiu do bolso em que estava

Caindo aberta na mesa do restaurante

Porque as coisas quando têm de acontecer

Até os brutos contribuem sem saber...


Leu o seu nome que estava bem escrito

E uma frase em letra tão conhecida

Filho, eu te amo, por ti darei minha vida

Sempre te espero, meu amor é infinito

Mas um problema que nunca tem solução

É o pecado que não merece perdão...


Como quem olha a própria vida e se espanta

O moço estava um tanto envergonhado

Quase sem fala, sentia um nó na garganta

Ao descobrir que fora, assim, tão amado

Porque a dor de alguém arrependido

É bem mais forte por ter o mal construído...


Em pouco tempo leu todo o manuscrito

A ter cuidado para não ser descoberto

Vagava longe em lugar muito deserto

Lembrando as coisas que o pai tinha-lhe dito

Porém a dor de um arrependimento

Nunca se cura nem mesmo com sofrimento...


Voltou depressa para sua residência

E o lar da mãe nunca mais foi visitado

Perdeu a paz, o senso e a paciência

Fez-se um homem odioso e revoltado

Mas todo aquele que só vive de maldade

Atinge todos, sem dó e sem piedade...





Buscando alívio, foi para outro país

Muito distante daquele onde nasceu

O que herdou juntou tudo e vendeu

Na esperança de, um dia, ser feliz

Porém é certo que em toda a existência

O pior mal é o peso na consciência


Um dia a filha encontrou o tal caderno

No escritório onde ele trabalhava

E lendo ali juras de um amor eterno

Foi perguntando quem é que tanto o amava

Mas todo aquele que sofre com o mal que tem

Pensa que todos o estão julgando também...


De sua mesa onde estava trabalhando

Saltou de pé como um animal feroz

Xingando a filha, quase que perdendo a voz

Pensou que ela o estava censurando

Pois, nessa hora, todo o universo conspira

Quando um ser bruto não domina a própria ira...


Cheio de raiva, jogou nela uma caneta

Que acertou o seu olhinho direito

E vendo o sangue colorir a caderneta

Em agonia, percebeu todo o malfeito

Mas não se mede o grau de um desatino

A todo aquele que sente a mão do destino...


A menininha gritando desesperada

Puxou do olho a caneta de metal

Com a pureza do seu sangue angelical

A caderneta ficou toda avermelhada

Nesses momentos não há como escolher

O pagamento que se deve receber...


E foi assim que em ânsia e sem defesa

Viu se espalhando seu instinto vingador

Aquele anjo de candura e de beleza

Era, na vida, o que tinha de mais valor

Pois o castigo que vem para os prepotentes

Pode atingir até os seus descendentes...


Em grande choque, a filha pôs-se a falar

Eu perguntei quem te amou tanto assim

Porque queria ter esse pai para mim

Mas eu te amo e sempre vou te amar

Não há, na vida, sofrimento mais profundo

Ninguém entende a justiça deste mundo...





O velho pai que tanto amou na vida

Não foi amado nem mesmo quando morreu

Gerou um filho de natureza perdida

Que castigou até quem dele nasceu

Mas o amor não é questão de querer

Parece algo que já nasce com o ser...


Ao perceber o seu ato degradante

Aquele moço sentiu o pior abalo

Com um olho cego e o outro tão brilhante

Ela dizia que sempre ia amá-lo

Porém o mal quando é pago com o bem

Este é mais forte para castigar alguém...


Na Internet publico este caso triste

Quero contá-lo aos filhos de toda a Terra

Não há perdão a quem troca amor por guerra

Só aos que amam o paraíso existe

Porque os homens, sejam crentes ou ateus

Ninguém consegue fugir dos olhos de Deus...


Ao relatar essa passagem tão forte

Não tem sentido prosseguir a narração

Mesmo a ruindade não se paga com a morte

É necessário se dobrar à conversão

Porém quem nunca foi herói nunca tem glória

Infelizmente sou o dono desta história...

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