Formei-me! Ufa! Já estava cansado de estudar. E — o que é ainda pior — meus pais estavam também cansados de financiar meus estudos. Enfim, sou um contador!
Aliás, falando em Contabilidade, acho que é a única formatura que se pode ter nas escolas daqui. “Um de uva?”
Mas minha cidade não é tão atrasada assim; ela já teve até locomotiva a vapor! Hoje, é cidade-núcleo de sua região e tem capacidade para atrair desenvolvidas universidades, com bons cursos de Medicina, Odontologia, Veterinária, e muitos outros; até mesmo a Agronomia com que tanto sonhei. Só que ninguém faz nada para isso. “Ah, sim... tem de uva, coco e minissaia!”
Como eu ia dizendo, até parece que é proibido realizar alguns tipos de sonhos aqui. Ou, talvez, não se possa nem sonhar. É preciso fazer Advocacia ou Contabilidade, pois são os únicos cursos que possibilitam ao formando aspirar a um emprego na região. Ainda que seja trabalhando como balconista. Aquele vendedor de jornais ali gastou quatro anos num curso de Letras.
No entanto, eu não sei se o que falta à minha terra são bons cursos, bons empregos ou as duas coisas ao mesmo tempo; o que eu sei... — “Aqui está, obrigado!” — o que eu sei é que, aqui, pouco se põe em prática o que se aprende nas escolas.
Meus anos foram exaustivamente contados, até chegar aquele pedaço de vida, que muitos chamam de diploma ou canudo de papel. E ele, o canudo, teve de ficar camuflado nas prateleiras de uma estante ou no pó amarelecido das gavetas de um armário. “Um de abacaxi?”
Mas, um dia, as coisas vão mudar por aqui. Nossas autoridades hão de se lembrar desta cidade, onde nasceram grandes artistas... — “Aqui está: um de coalhada. Obrigado!” — e a paz reinará em nossos corações. Agora, porém, não posso mais continuar com este papo. Sou um contador bastante ocupado. “Olhaêêê o picolé!...”
Texto publicado pelo autor, em 2012, no livro “A felicidade se faz de coisas possíveis”, pp. 48-49.
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