Chega a causar espanto o número de faces do Direito nos dias atuais. É provável que tal multissubdivisão ocorra em decorrência da maior proximidade da Ciência com a realidade dos homens. O Direito se popularizou de tal forma, que fez surgirem novas espécies de conflitos, o que deu origem a um sem número de terminologias, algumas até muito utópicas ou desnecessárias.
Entretanto, estabelecer um direito para os rios, não significa apenas criar mais uma espécie do Direito, é buscar proteção mais efetiva para aquilo que, sem dúvida, representa o porquê de ainda existir vida no planeta Terra. Um rio até parece ser algo vivo (e será mesmo que não o é?). Seria apenas criatividade da mente humana enxergar a tristeza de um rio poluído em contraposição à alegria das águas de outro preservado?
Que não se deem asas a devaneios, já que o presente discurso pressupõe uma hermenêutica da racionalidade: os rios não são vivos! Todavia, de tão diretamente relacionados à vida, já parecem carregá-la em si, distribuindo-a a todo vivente. O raciocínio imagético não está distante do real, porque o que se entende como fim precípuo dos rios é a hidratação dos organismos vivos. Infringir essa norma natural é desrespeitar o próprio direito à vida. Ou seja, não é relevante ficar discutindo se um rio é ou não é algo vivo: sua importância para a vida justifica a criação do novo Direito.
É bom que fique claro, ainda, que o termo não é novo, também não foi cunhado para fermentar sensacionalismos. Criar esse direito é necessidade antiga, algo que remonta ao momento em que a primeira conduta humana conspurcou essa obra magistral. O apelo em prol do novo direito é muito forte. Hoje, por todas as partes do mundo, encontram-se comunidades engajadas na luta em defesa da preservação dos seus rios. É que, a todo tempo, dos lugares mais recônditos do Planeta, ouvem-se notícias das mais diversas práticas humanas relacionadas ao uso abusivo da água. Tais práticas podem levar ao fim esse bem tão precioso e, com esse fim, vai-se também a vida.
Por outro lado, impende entender a degradação de um curso d’água como um desrespeito à própria Dignidade da Pessoa Humana. Pode-se dizer que, em regra, todo mundo tem um rio em sua vida, seja dos mais caudalosos, seja um ribeirão, seja um simples filete d’água. Muitos são os povos cujos rios contam histórias. Isso é uma questão de cultura, de saber humano, de religiosidade ou de crenças ancestrais. Tais fatores podem dizer respeito a um grupo, a uma massa indefinida ou a apenas um indivíduo. Não importa o número dos atingidos, proteger um direito coletivo, difuso ou, mesmo, individual é uma obrigação que se impõe tanto à sociedade quanto aos governos. Eis o constructo do novo ramo jurídico: o direito dos rios é o direito dos homens!
Em sendo assim, ninguém pode contestar a verdade de que todo rio tem um “script” a decorar, uma ordem natural a seguir. Até os casos excepcionais dos rios sem foz parecem desempenhar um papel bem específico, um comando maior que a vontade dos seres humanos. O rio Okavango (ou Cubango Rio), na África austral, por exemplo, deve ir dar de beber ao Kalahari, obedecendo a um mandamento. Do delta reverso, no interior do Botsuana, uma mensagem incognoscível ao homem é enviada ao mar dizendo que a água chegou ao deserto, que tudo se cumpriu conforme o preceito. E que profusão de vida se pode ver ali! O que aconteceria, se a mão humana viesse a mudar o destino daquelas águas, levando-as ao mar!
Isso não quer dizer que o novo Direito defenda um retorno ao cenário fluvial rústico: o homem continuará utilizando os rios, mas sem corrompê-los. O objetivo é coibir absurdos, como a poluição criminosa, a adulteração dos leitos para satisfazer interesses privados, a destruição da cobertura verde da crosta terrestre. Com o solo desprotegido, a água das chuvas não mais se infiltra na terra para alimentar as nascentes: as avalanches descem rasgando serras e encostas, depositando sedimentos nos leitos. Quase todos os problemas relacionados à escassez de água deriva desse evento.
Então, é mesmo sensato falar-se de um Direto dos Rios? O futuro do bioma global vai depender de como a humanidade responderá a essa questão.
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