O homem será extinto da Terra se lhe faltar a poesia! Se uma hecatombe cultural exterminar esse “estímulo à vida”, não mais vingará a concórdia, a tolerância, a paz. Nem mesmo o traço distintivo da raça humana será mais uma virtude. Porque a alma se torna infértil quando perde a capacidade de amar ingenuamente. Então se fará noite eterna!...
Em tempos bastante remotos, também não havia essa “inocência das coisas”. Eram os dias das imensas avalanches, dos medonhos furacões. O mundo se formava à custa de indescritíveis erupções vulcânicas, violentos abalos sísmicos e tenebrosos vendavais. Gases se fundiam ou se tornavam nobres, enovelados a estarrecedoras atividades eólicas. O planeta se via em clima sufocante e à mercê de enormes meteoros, cujas trombadas com a superfície causavam horrorosos solavancos.
Séculos e mais séculos, veio, então, a calma eterna, um marasmo perturbador: um silêncio abissal. Não se pode precisar o que foi mais terrível: se a atividade intensa dos primeiros tempos, ou a inquietante monotonia que veio depois. O planetinha, cada vez mais azul, era tão somente mais um dos incontáveis lugares inóspitos do Universo. Faltava-lhe o verde, o murmúrio das fontes, o bailar dos peixes, o alarido dos pássaros; excediam-se-lhe areia e solidão.
Tanto mar! Tanta água salobre em tantos oceanos! Que fazer disso? A lua, mais triste que nunca, perdia seu tempo iluminando falésias, assistindo à guerra entre terra e mar. E nem uma ingênua igara se atracava naquela imensidão de porto. O pobre satélite pôs-se, então, a chorar...
Íons se combinaram, partículas se uniram, um núcleo invisível ouviu o lamento da lua; e, com maestria admirável, tornou-se a primeira unidade a seguir um instinto; passando, assim, a cumprir uma ordem, um aviso. Em pequena fração de tempo, atividades desconhecidas em todo o planeta começaram a acontecer naquele minúsculo corpo: insuflou-se-lhe a frágil membrana e, com magia indescritível, “um ser se fez dois”, e os dois se transformaram em quatro... E, depois, em incontáveis outros mais...
Maravilha!... Estava criado o "elemento constituído de todas as coisas”: descoberta fabulosa que se moldava automaticamente às mais variadas situações. Formaram-se novos e diversificados seres; e esses, em colônias, povoaram a Terra. Uns se fixaram no solo e aprenderam a produzir o próprio alimento, outros desenvolveram capacidades espetaculares em seu metabolismo e em seu sistema de defesa; inventaram a locomoção. É que o imenso vazio induzia ao domínio. Nas adaptações ao ambiente, esqueceram obsoletas características, inventaram modos; produziram descendentes estranhos a todas as outras espécies. Então...
Um dia, uma estrela diferente riscou o céu e uma criatura desengonçada andou pela terra!... Tal acontecimento não passou despercebido ao pássaro irrequieto nem ao tempo inquisidor: “Quem és tu?...” E, na consciência da resposta, uma exclamação: “Quem serás!...”
Lá de um canto do planeta, a criação pôs-se a se estudar. Passou a seus descendentes vontades estranhas; selecionou as coisas benéficas à disseminação de sua própria espécie. E foi nesse tempo que surgiu o mais nobre dos sentimentos em sua alma: o amor por sua espécie.
Onde nascia aquela força? Por que aquele sentimento o levava a simpatizar com os seus? Nada disso ele perguntou, guardava coisas desse tipo nas profundezas de suas entranhas. Assistia a tudo, lutava apenas contra aquilo que podia dominar. E foi alimentando suas crias com frutas e carícias, amenizando seus rugidos para fazê-las dormir. A lua?... Oh, que encanto era vê-la!...
Às vezes, perguntava-se de quem herdara aquele sentimento, aquela vontade de estar sempre em paz, tanto consigo mesmo e com os seus descendentes quanto com as outras coisas que o rodeavam. O que o levava a ficar horas e horas, a contemplar uma fonte, uma ramagem em flor?... E a Terra nem tinha girado tantas vezes, já o indivíduo se harmonizava completamente em seu mundo. Simulava um colóquio com o sol em seu “nascer” e em seu “se pôr”, elegeu entidades supremas para interceder por ele em suas dificuldades. Era a deusa Lua, o deus Sol; havia uma divindade para as florestas também; e para todas as coisas que se moviam sobre a face da Terra... Depois vieram as entidades sobrenaturais.
Vão-se os tempos, vêm as saudades!... Paraíso eterno dominado pelo homem? Ignorância. Trocou-se a calma pela guerra, poluíram-se as fantasias pela ganância. Então veio a indigência!...
Imagens de crianças carentes denunciam, hoje, a estupidez humana; porque, vizinho à calçada, alimentos se perdem por descuido ou pela nebulosa burocracia. Sobre o viaduto, casa de tantos pequeninos, passam riquezas imensuráveis. Desiludidas, mães se perdem na busca do pão para seus filhos, pais se marginalizam na miséria do desemprego, na escuridão do analfabetismo. Então, faz-se mesmo necessária a pergunta: “Por que a poesia em tempos de indigência?”
Da indagação, uma resposta: “Porque, sem a poesia, os corações se embrutecem ainda mais!” A energia que pensou a vida também criou a poesia para salvá-la; e, desde os primórdios, as duas se fundem em uma só coisa. Não haverá mais poesia apenas se não houver mais vida.
Assim, fica claro que viver é compor um poema eterno; dir-se-ia, lutar para que a luz não se apague jamais. Fazer poesia é combater a miséria, a inconsciência, a guerra, e todas as “doenças humanas!” Poetizar é tornar-se embevecido com a beleza das coisas, vivas ou não. Porque o sopro do Criador na criatura é, irrevogavelmente, o estímulo à vida: a poesia!
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