— Pfessor?...
— Oi!
— O que é mesmo “concerto”?
— Depende.
— Depende de quê?
— Da grafia.
— Grafia!?
— É. Grafia: a escrita da palavra.
— Pfessor... Por favor, não complique mais minha cabeça!
— Eu não estou complicando. Só quero ajudar. Juro!
— Então me explique o que é “concerto”.
— Vai depender da semântica em que a palavra está empregada no texto.
— Mais outra!... S-e... o quê?
— Semântica!
— Isso eu também não sei. Mas, e “concerto”, o que é?
— Já disse que é relativo. Tem “concerto” com “c” e conserto com “s”.
— Ah, então essa é uma palavra que pode ser escrita de duas formas?
— É... Não... São duas palavras de sentidos diferentes, apenas pronunciadas da mesma forma. As duas são homófonas.
— Homo... homo... O quê!?... Cruz-credo!... Então o problema é muito pior. Fiquei com isso na cabeça a noite toda.
— Fez muito bem em me perguntar! Vou-lhe atribuir uma boa nota de participação!
— Então “concerto” é coisa de homossexual?
— Eu não disse isso!... Expliquei que as palavras “concerto” e “conserto” têm a mesma pronúncia.
— Acabou de dizer que são homo... homo não sei o quê.
— Disse que são homófonas; isto é, têm o mesmo som.
— Mas uma coisa não é igual à outra?
— Não. A palavra “concerto” quer dizer...
— Não!... Não é isso. Digo esse tal de homo... Ah, deixa pra lá!... Explica o que significa “concerto”.
— Depende do contexto.
— Com texto ou sem texto: para mim tanto faz.
— Não!... Você entendeu mal. É contexto: uma palavra só.
— O senhor quer dizer que vai me ensinar “concerto” com uma palavra só, fora de um texto.
— Valha-me, meu Deus!... Eu disse contexto: sentido. Todo texto tem um contexto, trata de algum tema em especial.
— Mas as duas coisas não são iguais?
— Não, “conserto” com “s” é uma coisa, “concerto” com “c” é outra. São palavras diferentes.
— Não!... Agora eu não estou falando de “concerto”, mas de “com texto” e “contexto”.
— Eu já lhe disse que é contexto, uma palavra só.
— Sozinha, desacompanhada; sem ser dentro do texto!
— Não, “apenas”. Ou seja: não são duas.
— Duas em ponto!... Seu relógio está atrasado... Olha aí mais uma dúvida: atrasado é com “s” ou com “z”?
— É só você verificar “atrás”.
— Não tem nada, estou na última carteira da fila. Aqui atrás só tem a parede. Ah, o senhor fala que alguém pichou a parede com a palavra “concerto”?... Cadê?...
— Ninguém pichou nada aí. E essa nossa conversa está ficando cansativa. Vamos à aula!...
— Mais uma dúvida: “pichar” é com “x” ou com “ch”?
— Manda esse traste pra p... — interveio alguém já entediado, a colocar a cabeça entre as mãos.
— Mas eu não sei mesmo o que significa “concerto”.
— Qual é o contexto?
— O texto?
— Não... É... Pode ser. O que mais havia escrito perto da palavra “concerto”?...
— Veja.
— Você leu na revista Veja.
— Não. No papel colado em uma garrafa de Veja.
— Como estava grafado?
— Engarrafado?... O detergente?... O que isso tem a ver?...
— Grafado!... Ou seja, como estava escrito?...
— Assim mesmo: v-e-j-a.
— Não!... Não é isso!...
— Ah, desculpe, pfessor! O senhor quer saber com que tipo de letra? Se de fôrma ou cursiva? Mas isso tem importância?...
— Claro que não!... Eu só preciso saber o que é que havia mais nessa maldita garrafa!... Desculpe-me!... Eu não estou nervoso.
— Ah, pfessor, o senhor me assustou!... Dentro tinha um líquido incolor!... O senhor não conhece?... Limpa que é uma beleza!
— Não, gente!... No rótulo!... O que é que estava escrito do lado de fora da garrafa?... O que estava dentro não interessa.
— Já disse: Veja!
— Mas!... E a palavra que lhe deixou em dúvida?...
— Ah, sim!... Estava num papel branco, colado na garrafa. Meu chefe deixou uma ordem escrita para que eu “limpasse o teatro com Veja para o concerto”. Isso é que eu não entendi.
— Até que enfim! — houve um suspiro comunitário.
— Obá!... Entenderam?...
— Claro, desde o início! — foi uma resposta em coro.
— E o que significa?
— Significa que seu chefe queria que você preparasse o teatro para um concerto!...
— Então?... Isso foi o que eu entendi também. Mas o esquisito é que o teatro está novinho. Será, inclusive, inaugurado por uma orquestra, é a mais esperada apresentação musical do ano. O senhor não ouviu falar?
— Então!?... Isso é “concerto”. Você trabalha no Phoenix?
— O quê?...
— Deixa!... Deixa!... Vai acontecer um concerto lá.
— Mas só se conserta algo que está velho ou quebrado.
— Escuta aqui: há “concerto” e “conserto” — o professor escreveu as duas palavras no quadro —, os dois não se equivalem. Na aula passada não estudamos ortografia?...
— Ah, sim; o senhor até explicou “pajem” e “lambujem”, ambos com “j”, de “jiló” e “jeito”.
— Expliquei também “pastagem”.
— É, com “g”, de “girafa”.
— Isto!... Parabéns pela lembrança!...
— Mas eu continuo achando que “pastagem” devia ser com “j”, de “pajem” e “lambujem”. O som não é o mesmo?
— São as imposições da regra.
— Mas uma regra já não é uma imposição? Deixa a gente não acertar não pra ver: o senhor dá zero!
— Não é disso que eu estou falando. Refiro-me às exceções, alguns problemas que todo mundo tem.
— Eu só tenho dois: “concerto ou conserto” e “pastagem”.
— Você não tem mais “conserto”.
— Tenho. Não entendi nada: com “s”, significa consertar algo; com “c”, apresentação musical. Por que um tem de ser diferente do outro, se ambos são ditos da mesma forma?
— Olha aí, eu não disse? Seu problema não está no “conserto” com “s”!... Nem no “concerto” com “c”.
— Não?... Então eu não tenho problema de “concerto” ou de “conserto”?...
Não!... Seu problema é de pastagem!...
Texto publicado pelo autor, em 2012, no livro “A felicidade se faz de coisas possíveis”, pp. 124-129.
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